Porto ao Vivo
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sábado, 30 de maio de 2009
Reportagens




Se o Porto dos concertos mexe, a culpa também é deles

Há muito tempo que o Porto não tinha tantos concertos. O cenário actual deve-se, em boa parte, à acção de algumas pequenas promotoras que seguem o espírito “faz tu mesmo”. Movem-se por gosto, não pelos lucros.

Pedro Rios
Em 2006, Joaquim Durães deixou o curso de Tecnologias da Comunicação Audiovisual do Instituto Politécnico do Porto. “Senti que tinha que abdicar de alguma coisa. E foi o curso”, conta. Inspirado por uma estadia em Barcelona, onde experimentou a então fervilhante cena musical da cidade, chegou ao Porto com vontade de trazer um pouco da "energia positiva" que vivera em Espanha. "Senti: ‘é isto que quero levar para Portugal’", explica Durães, hoje com 25 anos.Chegado a 2008, Durães tem razões para sorrir. À Lovers & Lollypops (L&L), a promotora que montou em 2005 (é também uma editora e um colectivo de DJ), juntaram-se outras entidades, igualmente informais mas activas, como a Amplificasom e a Cooperativa dos Otários.
Organizam uma parte significativa dos concertos rock de pequena dimensão (até 300 pessoas, aproximadamente) que têm acontecido no Porto - e há muito tempo que a cidade não tinha tantos, nomeadamente de artistas estrangeiros. Só em 2008 a L&L, a mais activa de todas (ver caixa), organizou cerca de 50 noites de música.
Seguem o espírito “faz tu mesmo”. Fazem-no por gosto, até porque, regra geral, não há lucros. Pelo contrário: “se for fazer as contas totais [desde 2005], perdemos mais do que ganhámos”, diz Durães, sem ponta de desânimo. “O objectivo é sempre cobrir as despesas. Se houver lucro, as bandas levam 60 ou 70 por cento [do mesmo]”, reforça André Mendes, de 25 anos, da Amplificasom, que trabalha numa empresa de transportes. O preço dos bilhetes ronda os oito euros, uma necessidade para “começar a ter um circuito e público para tudo”, diz Jorge Bastos, de 31 anos, companheiro de Mendes na promotora, criada em 2006 e que já trouxe ao Porto nomes como A Silver Mt. Zion, Secret Chiefs 3 e Glenn Jones.

“Diferença abismal”
Têm todos outras profissões, mas mantêm uma actividade paralela que exige contactos com bandas e agentes, afixar cartazes, divulgação na Internet (o principal meio de comunicação com o público) e, nos dias de concertos, alguma compreensão por parte dos patrões. Colaboram com espaços como o Maus Hábitos, o Passos Manuel, o Plano B, todos na Baixa do Porto, e a Casa Viva, na Praça do Marquês de Pombal.
"Há 10 anos não havia tantas organizações, mas antes concertos esporádicos”, constata Óscar Pinho, proprietário da loja de discos Lost Underground e um dos membros da Cooperativa dos Otários, que levou vários concertos rock’n’roll, garage punk e de outros géneros ao bar Porto-Rio. "300 pessoas visitam o nosso blogue todos os dias. Nota-se que há mais pessoas interessadas", diz André Mendes.Óscar, figura conhecida do meio musical underground portuense, já organiza concertos há 12 anos e encontra uma “diferença abismal” entre o Porto actual e o de há dez anos. Opinião semelhante tem outro “veterano” do ofício, Augusto Lima, de 33 anos, designer gráfico, único responsável pela promotora O Mouco: “O roteiro alternativo está a passar pelo Porto. Antes ia a Lisboa ver concertos, agora vou lá fazer outras coisas”. Foi, aliás, essa necessidade de ver alguns artistas que não passavam por Portugal que o fez começar a promotora há quase dez anos, hoje com uma média de um concerto por mês.
“Isto começa a crescer. Os agentes das bandas vêem que há mercado, que compensa a viagem ao Porto. É uma bola de neve”, reforça André Mendes, da Amplificasom. O que falta, dizem estes promotores, é uma sala de concertos com dimensão média (para cerca de 400 pessoas) e preços acessíveis para quem organiza. Um vazio deixado pelo fecho do Hard Club, referem.

Espírito de entreajuda
Para Filipe Teixeira, programador musical do Plano B, estas promotoras vieram “enriquecer” a programação dos espaços. “São pessoas mais especializadas” em determinados géneros musicais, diz. Teixeira vê a actual fase do Porto como uma reacção “ao buraco que foi crescendo”. “Hoje a oferta é maior e melhor”, conclui, o que “é melhor para toda a gente”.
Seja porque não têm fins lucrativos (no último concerto organizado pela O Mouco - o de Dora Bleu, em Dezembro - só apareceu uma pessoa) ou porque o meio musical do Porto não é especialmente grande, a cooperação é habitual. Manifesta-se, por exemplo, em eventos conjuntos entre a L&L e a Amplificasom (o festival “Trips À Moda do Porto”, no último mês de Novembro, foi o caso mais evidente desta ligação), mas também na natureza da Cooperativa dos Otários, criada há um ano e meio e que junta, neste momento, 15 pessoas - uma delas é Joaquim Durães, que se reparte, assim, em duas promotoras.
A ideia para esta “cooperativa” informal nasceu de um primeiro concerto em que os quatro organizadores perderam dinheiro. Alguns amigos disponibilizaram-se para apoiar futuras iniciativas, o número foi aumentando e hoje o objectivo de “diluir os gastos” envolvidos nesta actividade está plenamente conseguido, diz Óscar Pinho. O nome ironiza com a natureza de montar concertos, como assumem num pequeno “manifesto” publicado online: “Organizar concertos é trabalhoso, mal pago e dá imensas dores de cabeça - mas se ninguém suficientemente altruísta ou estúpido o fizer, os concertos não aparecem.”


Caixa
O empreendedor que veio do punk
Joaquim Durães é o mais activo dos promotores independentes de pequenos concertos no Porto. Tem como principal fonte de rendimentos a produção de eventos no Plano B, mas a sua Lovers & Lollypops ocupa-lhe muito tempo. A vontade de agitar vem já desde os tempos do ensino secundário, quando organizava concertos punk num café de São Salvador do Campo, em Barcelos, para “um misto de punks, indies e velhos da aldeia a beberem vinho”. Hoje, com dezenas de concertos de bandas de todo o mundo no currículo, diz, entre risos, que uma “resolução para 2009” é “fazer menos concertos e mais edições” de projectos portugueses. A promotora teve um papel importante na divulgação de bandas como os Green Machine e os Lobster, a actividade que deixa Durães mais orgulhoso. (Versão não editada)
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