Porto ao Vivo
A música ao vivo na cidade Invicta - Projecto Jornalístico UM
domingo, 24 de maio de 2009
Reportagem
À Tarde no Breyner 85


É um Sábado de Abril no centro do Porto. A tarde está cinzenta. Nos passeios, ao azul desenhado sobre o branco da Calçada Portuguesa acrescentam-se charcos de tom lamacento que os tornam escorregadios. A chuva, a que o vento soma direcções, faz com que seja preciso mais do que um guarda-chuva para abrigar os poucos que se aventuram num passeio vespertino. Nestes dias, as ruas do Porto, estreitas e graníticas, ficam ainda mais escuras, mas acrescentam certeza aos passos dos que nelas pisam. Nestas condições, será preciso mais do que o olhar viajante para descobrir as partes da cidade que querem continuar vivas.

Jovens carregam sacos que indiciam instrumentos musicais aos ombros. Abandonam a rua de Cedofeita e deslocam-se ao nº 85 da rua do Breyner, deixando rastos de um desses Portos.

Uma vez tocada a campainha, não é preciso esperar mais de meio minuto para que a porta do Breyner 85 se abra. Esse tempo não chega para roubar o sorriso a Pedro. Músico, tem ensaio marcado para uma das salas que se arrendam na cave do edifício. “É mais barato, por ser sócio”, diz apressado, já com três degraus descidos das escadas que lhe dão acesso.

O soalho reveste o chão de todas as divisões da casa. O ranger das tábuas a cada passo mistura-se com as conversas daqueles que por ali estão ou circulam. David Fialho é um dos que passam regularmente por este ”hall” de entrada. As múltiplas valências do espaço obrigam o proprietário a desdobrar-se em reuniões: “É preciso contratar as bandas, organizar as aulas, ultimar a agenda do mês”... Este “hall” de entrada, frenético como o de qualquer outro local de trabalho, dá acesso aos vários compartimentos da casa: escadas que sobem para o café concerto e galerias, escadas que descem para as salas de ensaio e estúdio de gravação, portas que se abrem para escritórios…

Em frente, há uma entrada tapada por uma cortina vermelha. Ao abrir-se, descobre um outro mundo que se afasta da labuta para se dar ao prazer que, no caso, se confunde com trabalho. A sala aveludada tem um piano num dos seus cantos. “É para ser tocado por quem se quiser aventurar”, diz Maria, funcionária do bar da cafetaria. A música, com letra italiana, que parecia saída de colunas, era afinal tocada ao vivo. Sentada ao piano, Rubina, estudante do programa Erasmus, mostra as suas criações. Só interrompe quando se esquece de alguma nota ou para dar explicações a um casal que, sentado no sofá colado ao piano, sorri a cada nota ou esclarecimento dado: “Estava em Itália e pensava que não tinha mais nada para aprender”.”Vim para o Porto e bastou conhecer alguns músicos para descobrir que afinal ainda estou no princípio”, confessa Rubina, ainda agitada com a descoberta. Acabado de chegar, Rui, músico, pousa o saco com a guitarra, para preparar o ensaio que em breve começará na cave. Espreita Rubina, enquanto folheia as pautas com as suas próprias músicas. Não se conhecem. No entanto, interrompe a passagem das folhas para fazer conversa de circunstância com a jovem cantora e autora italiana. A forma como espreita indicia curiosidade, que se confirma pela pergunta: “Queres descer para tocar connosco?”. O convite é imediatamente aceite e abandonam a cafetaria. O casal que a ouvia não parece incomodado com o sucedido.

Na sala fica, para já, apenas um visitante que, enquanto ouvia as músicas de Rubina, parecia estar no sítio certo. André espera por um amigo. Escolheu o Breyner 85 como ponto de encontro. Já cá tinha vindo e tinha gostado do ambiente: “É descontraído e há encontros inesperados.” David Fialho assegura que este é também um dos objectivos do Breyner 85. “Promover o encontro, não só de músicos, mas também de pessoas que querem mais do que o mundo virtual”, afirma enquanto passa para mais uma reunião.

As portadas envidraçadas da cafetaria dão para as traseiras da casa. Deixam ver a tempestade, que só se ouve quando se abrem para que alguns dos presentes se dêem ao fumo. Sofia e Pedro são dois dos que saíram para fumar e ainda não voltaram a entrar. Amigos e estudantes de Psicologia, estudam perto da Foz, um dos locais turísticos mais procurados do Porto. No entanto preferem vir para o Centro. Ele é frequentador do espaço e traz Joana pela primeira vez. Pedro levanta-se, abandonando a mesa na varanda, para ocupar o piano deixado vago por Rubina. Não toca as notas com a confiança de Rubina, mas tem formação clássica. “Não a suficiente”, lamenta, e, por isso gostava de aprender mais. “Este era um bom sítio, mas no momento o preço das aulas ultrapassa um bocado o meu orçamento”, queixa-se Pedro. Deixa o piano para voltar à varanda e à companhia de Sofia.

Hoje, a chuva não deixará ninguém ultrapassar o telheiro que cobre a varanda para descer ao verde jardim, cortado pelo vermelho das mesas alinhadas com o palco exterior. “Espero que esteja a funcionar o mais breve possível”, esclarece David Fialho. Do centro do jardim avistam-se os três andares da casa que abriga o Breyner 85. No de cima, funciona a sala concerto que só abrirá à noite. No mesmo andar, há galerias com exposições de pintura e fotografia e aulas de música a decorrerem. Na cave, bandas ensaiam.

E, enquanto tiver de estar fechada, será preciso mais do que o olhar viajante para adivinhar que por detrás da porta do nº 85 da rua do Breyner há Porto, que quer estar vivo.





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